Biodiversidade alimentar: o sabor da terra, da cultura e da resistência
“Cada grão esquecido é uma história calada; cada planta resgatada, uma esperança que renasce no prato.” — “A biodiversidade alimentar é a base da nossa saúde, cultura e resiliência. Perder isso é comprometer o futuro da alimentação no planeta.” — José Graziano da Silva, ex-diretor-geral da FAO/ONU
O que é biodiversidade alimentar?
Biodiversidade alimentar, também chamada de agrobiodiversidade, é a variedade de espécies vegetais, animais, fúngicas e microbianas utilizadas na produção de alimentos, condimentos, bebidas e práticas culinárias.
Isso inclui não apenas as espécies cultivadas — como milho, arroz, feijão ou mandioca — mas também:
- Sementes crioulas e variedades locais;
- Espécies silvestres comestíveis;
- Raças animais nativas ou adaptadas;
- Produtos extrativistas da floresta;
- E os saberes tradicionais e culturais associados ao uso desses alimentos.
Essa diversidade nutre ecossistemas, culturas e corpos humanos, sendo essencial para a segurança alimentar, a adaptação climática e a preservação da identidade de povos tradicionais e agricultores familiares.
Panorama atualizado da biodiversidade alimentar (2025)
Com base nos relatórios da FAO (2024), IBGE (Censo Agropecuário 2025) e Embrapa, temos o seguinte cenário:
Mais de 30 mil espécies vegetais comestíveis conhecidas no mundo, mas apenas 9 espécies respondem por cerca de 70% da alimentação global (arroz, trigo, milho, batata, soja, cevada, mandioca, beterraba e óleo de palma);
O Brasil possui a maior biodiversidade alimentar do planeta, com mais de 3.000 espécies nativas com potencial alimentício, mas menos de 0,5% fazem parte da alimentação diária da população;
A erosão genética avança rapidamente: nos últimos 100 anos, estima-se que o mundo tenha perdido mais de 75% das variedades agrícolas cultivadas;
As sementes crioulas — variedades desenvolvidas e conservadas por comunidades rurais e indígenas — são cultivadas atualmente em menos de 20% das propriedades rurais brasileiras;
Estão em risco também raças locais de animais, como, por exemplo a galinha Canela Preta, o porco Moura e o boi Pantaneiro, substituídos por raças comerciais de alta produtividade;
A cultura alimentar tradicional também se perde: estima-se que uma receita é esquecida a cada duas semanas, com a morte de seus guardiões e a padronização alimentar global.
Por que preservar a biodiversidade alimentar é urgente?
1. Para garantir soberania alimentar: Diversificar o que comemos é reduzir a dependência de cadeias globais instáveis e fortalecer sistemas locais mais justos, resilientes e saudáveis.
2. Para enfrentar as mudanças climáticas: Plantas nativas e variedades tradicionais são mais resistentes a secas, inundações e pragas, sendo chave para a adaptação dos sistemas alimentares ao clima extremo.
3. Para melhorar a saúde pública: Dietas baseadas em alimentos diversos e não ultraprocessados reduzem doenças crônicas, como, por exemplo, obesidade, diabetes e hipertensão, de acordo com o Ministério da Saúde (2024).
4. Para proteger culturas e identidades; Cada alimento tradicional preserva histórias, rituais, sabores e conhecimentos únicos, transmitidos entre gerações como parte do patrimônio imaterial dos povos.
Principais ameaças à biodiversidade alimentar
- Monoculturas e agricultura industrial, que priorizam poucas espécies comerciais e eliminam a diversidade local;
- Uso intensivo de agrotóxicos e sementes transgênicas, que empobrecem o solo e os bancos genéticos;
- Padronização dos hábitos alimentares, impulsionada por redes de fast food e marketing de grandes indústrias;
- Falta de políticas públicas para conservação in situ (no território) e valorização dos saberes tradicionais;
- Desvalorização da cultura alimentar regional e da agricultura familiar.
Soluções sustentáveis para valorizar a biodiversidade alimentar
1- Apoiar feiras agroecológicas e redes de produtores locais;
2- Criar bancos comunitários de sementes crioulas e, assim, fortalecer o intercâmbio entre agricultores;
3- Registrar e divulgar receitas tradicionais, valorizando a memória alimentar de comunidades;
4- Incluir espécies nativas na alimentação escolar e em compras públicas (como, por exemplo, o PNAE);
5- Fomentar pesquisas participativas com povos tradicionais, respeitando assim o conhecimento ancestral;
6- Educar para o consumo diverso, de base local, sazonada e, principalmente, consciente.
Exemplos de alimentos nativos e subutilizados no Brasil
Nome | Região | Potencial |
---|---|---|
Baru | Cerrado | Rico em proteínas, fibras e antioxidantes |
Pinhão | Sul | Fonte de energia, tradicional em festas e rituais |
Aipim / Mandioca | Todo o Brasil | Base de várias receitas indígenas e populares |
Babaçu | Norte/Nordeste | Óleo e farinha com alto valor nutricional |
Araruta | Sudeste/Norte | Farinha medicinal e digestiva, quase extinta |
Pequi | Cerrado | Aroma e sabor únicos, importante na culinária goiana |
Recomendações práticas para o dia a dia
- Busque feiras de produtos orgânicos e da sociobiodiversidade;
- Pergunte sobre a origem dos alimentos e como são produzidos;
- Resgate receitas de família e registre saberes locais;
- Apoie iniciativas como, por exemplo, o Slow Food, Bionatur, Rede Sementes do Xingu e ASA Brasil;
- Troque sementes, cultive plantas alimentares em casa ou na escola;
- Inclua alimentos nativos e tradicionais no cardápio diário.
Conclusão
A biodiversidade alimentar é o elo entre natureza, cultura, saúde e justiça social. Preservá-la não é apenas proteger espécies comestíveis, mas também defender territórios, modos de vida e o direito a uma alimentação plena de sabor, memória e futuro. Afinal, em tempos de crise climática e padronização global, a diversidade no prato é um ato de resistência — e de regeneração.
Perguntas e respostas para reflexão crítica
É uma necessidade. Porque sem ela, corremos risco de insegurança alimentar, colapso ambiental e perda cultural.
Ajuda muito. Uma vez que, quando bem manejados, esses alimentos valorizam a floresta em pé e evitam monoculturas predatórias.
Não. Porque elas são mais adaptadas ao território, resistentes e conservam a autonomia dos agricultores.
Por causa da padronização do sistema alimentar, da publicidade e, principalmente, da falta de acesso à diversidade nas cidades.
Sim. Afinal, escolhendo alimentos locais, da estação, de origem familiar ou tradicional, o consumidor pode transformar sistemas inteiros.