Alimentos ultraprocessados: o sabor industrial da fome disfarçada
“Enlataram o milho, empacotaram o afeto e nos venderam a fome com sabor artificial. Comer virou consumo — e não mais cultura.” — “Alimentos ultraprocessados não são comida de verdade. São formulações industriais projetadas para enganar o paladar e lucrar com a doença.” — Carlos Monteiro, médico e coordenador do NUPENS/USP, criador da classificação NOVA
O que são alimentos ultraprocessados?
De acordo com a classificação NOVA, criada por pesquisadores da USP e reconhecida mundialmente pela OMS, alimentos ultraprocessados são formulações industriais feitas a partir de substâncias extraídas de alimentos ou sintetizadas em laboratório, com aditivos químicos como corantes, aromatizantes, emulsificantes e conservantes.
Eles não se parecem mais com o alimento original, e geralmente incluem:
- Refrigerantes e sucos artificiais
- Biscoitos recheados e salgadinhos
- Macarrão instantâneo e sopas em pó
- Embutidos (como, por exemplo, a salsicha, o presunto, os nuggets)
- Cereais açucarados e barras energéticas
- Pães e bolos industrializados
- Produtos ultradietéticos com aditivos artificiais
Preocupações com os alimentos ultraprocessados
Porque, apesar de amplamente disponíveis e agressivamente divulgados, esses produtos estão associados a uma série de danos à saúde, ao meio ambiente e à cultura alimentar.
Segundo a OPAS/OMS (2024), o consumo excessivo de ultraprocessados:
- Aumenta o risco de obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, hipertensão e câncer
- Está ligado a quadros de depressão, ansiedade e distúrbios alimentares
- Substitui alimentos naturais e tradicionais, empobrecendo a diversidade nutricional e cultural
- Aumenta a pegada ecológica da alimentação, devido à produção em larga escala, embalagens plásticas e transporte de longa distância
No Brasil, de acordo com o IBGE (2024):
- Ultraprocessados já compõem cerca de 22% das calorias diárias do brasileiro
- Entre crianças e adolescentes, esse número sobe para mais de 35%, principalmente nas periferias urbanas
- O aumento da obesidade infantil está diretamente ligado ao consumo desses produtos
Por que alimentos ultraprocessados são tão consumidos?
A resposta está em um modelo alimentar promovido pela indústria, que combina, por exemplo:
- Preço baixo (à custa de ingredientes baratos e subsídios)
- Publicidade intensa, principalmente para crianças e jovens
- Acesso facilitado em qualquer bairro ou esquina
- Embalagens chamativas e promessas de praticidade
- Lobby político que influencia legislações, rotulagem e tributação
Esse cenário invisibiliza o alimento de verdade e promove a lógica do lucro sobre a saúde pública.
Impactos dos ultraprocessados no meio ambiente
Além de prejudicar a saúde, os ultraprocessados agravam a crise ambiental. Principalmente:
- Dependência de monoculturas como soja e milho transgênicos, altamente poluentes e consumidores de água e agrotóxicos.
- Geração massiva de embalagens plásticas descartáveis, responsáveis por milhões de toneladas de resíduos por ano.
- Alta pegada de carbono associada à industrialização, refrigeração e transporte.
- Enfraquecimento da agricultura local e da biodiversidade alimentar.
Portanto, consumir menos ultraprocessados também é uma ação ambientalmente responsável.
Como reduzir o consumo de ultraprocessados na prática?
1. Valorizar alimentos in natura e minimamente processados
- Frutas, legumes, raízes, grãos, castanhas, ovos, carnes não processadas.
- Comida de verdade, sem rótulo, bem como com poucos ingredientes.
2. Planejar refeições e preparar em casa sempre que possível
- Cozinhar em casa é um ato de cuidado, cultura e resistência.
3. Incentivar e apoiar feiras, mercados locais e agricultura familiar
- Ao comprar direto de quem produz, apoia-se uma cadeia sustentável.
4. Educar o paladar e combater a publicidade enganosa
- Principalmente entre crianças e adolescentes, que são alvos da propaganda agressiva.
5. Apoiar políticas públicas de alimentação saudável
- Como, por exemplo o Guia Alimentar para a População Brasileira, o PNAE e a regulamentação da rotulagem frontal.
O papel das políticas públicas e da sociedade civil
O enfrentamento ao avanço dos ultraprocessados exige ação coletiva e institucional. Por exemplo:
- Taxação de bebidas açucaradas e ultraprocessados, com uso da arrecadação para políticas de saúde pública.
- Proibição de publicidade infantil, como, por exemplo, já ocorre em países como Chile e México.
- Rotulagem frontal com alertas claros (como “alto em açúcar”, “alto em sódio”).
- Educação alimentar nas escolas, integrada à cultura, ao território e à saúde coletiva.
- Reforma agrária e fortalecimento da agroecologia, para, enfim, garantir acesso real a comida de verdade.
Exemplos de resistência e alternativas
- Guia Alimentar do Ministério da Saúde (Brasil): referência internacional por promover uma alimentação baseada em alimentos naturais, cultura alimentar e sustentabilidade.
- Campanha contra os ultraprocessados na merenda escolar: pressiona governos a excluírem esses produtos do PNAE.
- Movimento Favela Orgânica (RJ): transforma sobras em pratos nutritivos e, assim, ensina comunidades a cozinhar de forma consciente.
- Rede de Agroecologia Urbana (RAU): leva comida saudável para as periferias com apoio de agricultores locais.
Em resumo
Alimentos ultraprocessados são um dos principais motores da crise alimentar e sanitária global. Afinal, eles empobrecem a dieta, contaminam o meio ambiente, enfraquecem os sistemas alimentares locais e promovem um modelo alimentar centrado no lucro, e não na vida.
Superar os motores da crise alimentar mundial não é apenas uma escolha individual, mas um ato coletivo, cultural, político e ecológico. Comer é um ato político — e optar por comida de verdade é plantar saúde, justiça e sustentabilidade.
Perguntas e respostas para reflexão crítica
Não. Uma vez que, é também resultado da exclusão alimentar e da desigualdade de acesso a comida saudável e natural.
Não necessariamente. Produtos minimamente processados, como, por exemplo, o arroz, o feijão ou o leite pasteurizado, não são ultraprocessados e podem fazer parte de uma alimentação saudável.
Em grande parte, sim. Porque ela lucra com produtos que geram adoecimento e impede regulamentações que protegeriam a saúde pública.
Depende. Produtos naturais são, muitas vezes, mais caros nos supermercados, mas em feiras locais e compras coletivas podem ser mais acessíveis e sustentáveis.
Sim. Menos plástico, menos emissões, menos monocultura e, principalmente, mais apoio à biodiversidade e à produção local.
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