Crise Alimentar: quando o prato vazio é reflexo de sistemas cheios de desigualdade
“A fome não é falta de comida, mas de justiça. É o silêncio de políticas que deveriam alimentar corpos e proteger sementes.” — “A crise alimentar atual é uma crise de acesso, de equidade e de prioridades econômicas. Há comida suficiente no mundo. Falta é vontade política.” — Olivier De Schutter, relator da ONU para o Direito à Alimentação.
O que é crise alimentar e por que ela voltou a crescer?
A crise alimentar é uma situação em que grandes parcelas da população não têm acesso regular, seguro e digno a alimentos suficientes, nutritivos e adequados.
Ela não se refere apenas à fome extrema, mas também à insegurança alimentar, que atinge quem come menos do que precisa ou de forma não saudável.
Segundo a FAO (2024) e o Relatório Global sobre Crises Alimentares (GNAFC):
- Mais de 735 milhões de pessoas vivem em fome crônica;
- Mais de 2,3 bilhões convivem com algum grau de insegurança alimentar;
- O número de pessoas enfrentando fome aguda quase dobrou desde 2020;
- Crianças, mulheres e comunidades rurais são as mais atingidas.
Principais causas da crise alimentar atual
A crise alimentar é complexa e multifatorial. Entre os principais fatores, destacam-se:
1. Mudanças climáticas
- Secas, inundações, ondas de calor e instabilidade hídrica estão reduzindo safras, matando o gado, bem como afetando pesca e extrativismo.
- Segundo o IPCC, a produção de alimentos está entre os setores mais vulneráveis ao clima extremo.
2. Guerras e conflitos geopolíticos
- A guerra na Ucrânia, os conflitos no Sudão e no Oriente Médio impactam rotas de exportação de grãos, fertilizantes e, principalmente, de combustíveis.
3. Modelos agrícolas insustentáveis
- Monoculturas, uso intensivo de agrotóxicos e dependência de combustíveis fósseis tornam a produção frágil, bem como ineficiente a longo prazo.
4. Concentração fundiária e do mercado
- Poucas empresas controlam cadeias globais de alimentos, impondo preços e, assim, criando dependência.
- A terra está cada vez mais nas mãos de grandes grupos, excluindo agricultores familiares e comunidades tradicionais.
5. Desigualdade social
- O maior problema não é a falta de alimentos, mas sim a falta de acesso e poder de compra. A comida existe — mas não chega a quem precisa.
Dados atualizados sobre crise alimentar (2025)
Indicador | Valor |
---|---|
Pessoas em fome crônica no mundo | 735 milhões (FAO, 2024) |
Insegurança alimentar moderada ou grave | 29% da população mundial |
Crianças com desnutrição crônica | 148 milhões |
Perda global de alimentos na cadeia de produção | 13% |
Desperdício de alimentos no consumo final | 931 milhões de toneladas/ano |
Porcentagem de alimentos produzidos no Brasil pela agricultura familiar | 70%, com acesso a apenas 23% das terras |
Consequências da crise alimentar
A insegurança alimentar afeta profundamente a saúde, a educação, a estabilidade social e a sustentabilidade ambiental. Entre as consequências, destacam-se principalmente:
- Aumento da mortalidade infantil e da desnutrição crônica;
- Desnutrição oculta (falta de micronutrientes), mesmo com ingestão calórica adequada;
- Migrações forçadas por fome e degradação ambiental;
- Conflitos locais e instabilidade social;
- Destruição de ecossistemas para expandir terras agrícolas de forma predatória.
Como combater a crise alimentar com soluções sustentáveis?
Embora o cenário seja crítico, existem caminhos concretos para superar a crise alimentar de forma sustentável, justa e regenerativa:
1. Fortalecer a agroecologia e os sistemas alimentares locais
- A produção diversificada, sem veneno, com sementes crioulas e saberes locais garante alimentos mais saudáveis, assim como resilientes ao clima.
2. Apoiar a agricultura familiar e camponesa
- A agricultura familiar produz a maior parte dos alimentos no Brasil, assim como em diversos países do Sul Global.
- Ela precisa de acesso à terra, crédito, assistência técnica e mercado justo.
3. Reduzir perdas e desperdícios
- Um terço dos alimentos do mundo é desperdiçado. Investir em logística, armazenamento e, principalmente, educação alimentar, que é essencial.
4. Garantir políticas públicas de segurança e soberania alimentar
- Programas como PNAE (alimentação escolar), PAA (aquisição de alimentos), bancos de alimentos e cozinhas solidárias – são fundamentais.
5. Democratizar o acesso à terra e à água
- Combater a concentração fundiária e a grilagem de terras públicas é vital para recolocar a terra a serviço da vida, ou seja, não da especulação.
Exemplos de soluções em prática
- Cozinhas solidárias do MST: mais de 150 mil refeições servidas com alimentos agroecológicos e doados por comunidades;
- Escolas agroecológicas no Semiárido: formam jovens agricultores com foco em sustentabilidade e resiliência climática;
- Bancos de sementes crioulas: garantem soberania produtiva e nutricional para comunidades rurais;
- Cidades como Belo Horizonte e Araraquara: políticas municipais de segurança alimentar com foco na produção local.
Recomendações práticas para enfrentar a crise alimentar
Governos:
- Garantir orçamento contínuo para políticas de alimentação e agricultura sustentável;
- Apoiar reformas agrárias, acesso à terra e crédito popular;
- Proibir especulação com alimentos e estoque para manipulação de preços.
Para a sociedade civil:
- Criar redes de solidariedade alimentar, hortas comunitárias e feiras agroecológicas;
- Pressionar por programas de segurança alimentar e compras públicas locais.
Cidadãos:
- Comprar de pequenos produtores e cooperativas locais;
- Reduzir o consumo de ultraprocessados e carnes de origem insustentável;
- Apoiar campanhas contra o desperdício e, principalmente, por alimentação digna.
Conclusão
A crise alimentar não é um desastre natural inevitável — é uma consequência de escolhas políticas, econômicas e ambientais insustentáveis. Então, para superá-la, precisamos romper com sistemas que lucram com a fome e construir modelos que coloquem a vida, a terra e o alimento no centro.
Em suma, a solução passa por mais agroecologia, menos desperdício, mais justiça social e menos concentração de poder e renda.
Perguntas e respostas para reflexão crítica
Não. Porque o planeta produz comida suficiente. Então, a fome decorre da distribuição desigual e da exclusão econômica.
Sim. Diversos estudos da ONU e da FAO mostram que a agroecologia é capaz de produzir em escala, com menos impacto ambiental e, principalmente, com maior inclusão social.
Não necessariamente. Mas quando priorizam lucros e especulação em detrimento do acesso, tornam-se parte do problema.
Sozinhos, não. Mas são ferramentas eficazes para fortalecer a agricultura local, melhorar a nutrição e gerar renda.
Apoiar políticas públicas, consumir de forma consciente, reduzir desperdícios, bem como valorizar alimentos locais e da agricultura familiar.