Injustiça alimentar: quando o prato vazio revela a desigualdade cheia de raízes
“Não se trata apenas de comer ou não comer. Trata-se de quem produz, quem decide, quem lucra e quem passa fome — e por quê.” — “A injustiça alimentar é consequência de um sistema que concentra poder nas mãos de poucos e nega o direito básico à maioria.” — Raj Patel, economista e autor de Stuffed and Starved
O que é injustiça alimentar?
Injustiça alimentar é o termo que descreve a desigualdade no acesso à comida saudável, segura, culturalmente adequada e produzida de forma sustentável, causada por fatores sociais, econômicos, políticos e ambientais.
Ela é mais do que fome ou insegurança alimentar. É a estrutura invisível que, principalmente:
- Favorece o agronegócio de exportação em detrimento da agricultura familiar
- Permite que milhões passem fome enquanto toneladas de alimentos são desperdiçadas
- Impossibilita o acesso a alimentos orgânicos e nutritivos para quem mais precisa
- Concentra terras, subsídios, tecnologia e, assim, decisões nas mãos de poucos
Assim, a injustiça alimentar é intencional, histórica e sistematizada — enraizada no racismo, no patriarcado, no colonialismo e na desigualdade de classes.
Dados que revelam a injustiça alimentar (atualizado – 2025)
Segundo a Rede PENSSAN (2024) e a FAO (2025):
- 33 milhões de brasileiros estão em situação de fome grave
- Mais de 70 milhões vivem algum nível de insegurança alimentar
- A maioria dos que passam fome são mulheres negras, moradoras das periferias urbanas e do campo
- A agricultura familiar responde por 70% dos alimentos consumidos, mas recebe apenas 15% do crédito rural
- Mais da metade das calorias consumidas pelas famílias de baixa renda vêm de ultraprocessados baratos e prejudiciais à saúde
Esses dados escancaram que não é falta de produção — é exclusão social, econômica e política.
Causas estruturais da injustiça alimentar
1. Concentração fundiária e agrária
- O Brasil continua sendo um dos países com maior concentração de terra do mundo (Oxfam, 2024).
- Além disso, o modelo de latifúndio produz commodities, não comida.
2. Política de subsídios desigual
- O agronegócio recebe os maiores incentivos públicos (como, por exemplo, créditos, isenções, infraestrutura).
- Enquanto isso, a agricultura familiar e camponesa sobrevive à margem das políticas agrícolas.
3. Racismo e patriarcado
- Mulheres negras são as mais afetadas pela insegurança alimentar, mesmo sendo as principais responsáveis pela alimentação familiar.
- Povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais são invisibilizados, assim como ameaçados em seus territórios e modos de vida.
4. Cultura do ultraprocessado
- A indústria alimentícia lucra com alimentos baratos, viciantes e prejudiciais.
- A publicidade direcionada atinge sobretudo crianças e comunidades periféricas.
5. Desmonte de políticas públicas
- Cortes no PAA, PNAE, assistência técnica e reforma agrária agravam a exclusão de quem produz e de quem consome.
- A ausência de Estado em regiões vulneráveis deixa o combate à fome nas mãos da solidariedade popular.
Injustiça alimentar e o racismo ambiental
A injustiça alimentar é uma das faces do racismo ambiental. Por exemplo:
- A comida mais contaminada vai para a periferia
- A terra mais envenenada está onde vivem populações negras e indígenas
- A falta de acesso à água potável e alimentos saudáveis é sistematicamente racializada
Portanto, combater a injustiça alimentar exige combater também o racismo estrutural, a especulação fundiária e a exploração dos corpos racializados.
Caminhos para combater a injustiça alimentar
1. Fortalecer a agroecologia e a soberania alimentar: Apoiar quem planta comida de verdade, sem veneno e com respeito ao território.
2. Democratizar o acesso à terra e à água: A reforma agrária popular e o reconhecimento de territórios tradicionais são condições básicas para justiça alimentar.
3. Reativar e ampliar políticas públicas: Programas como o PAA, PNAE e a Política Nacional de Segurança Alimentar devem ser financiados, ampliados e descentralizados.
4. Desmercantilizar o alimento: O alimento não pode ser tratado apenas como mercadoria, mas como bem comum.
5. Apoiar redes de solidariedade alimentar: Cozinhas solidárias, hortas urbanas e feiras agroecológicas reconectam campo e cidade, reduzindo a dependência de cadeias industriais excludentes
Exemplos de resistência e justiça alimentar
- Movimento de Mulheres Camponesas (MMC): produz e distribui alimentos agroecológicos com protagonismo feminino.
- Cozinhas Solidárias do MST: mais de 1 milhão de refeições servidas com comida sem veneno e sem lucro.
- Rede de Sementes Crioulas do Semiárido: fortalece a autonomia produtiva de comunidades rurais.
- Projeto Favela Orgânica (RJ): transforma sobras em pratos saudáveis e gera renda nas periferias urbanas.
Essas experiências mostram que a luta contra a fome passa por autonomia, organização popular e solidariedade real.
Em resumo
A injustiça alimentar é um reflexo da desigualdade estrutural que marca nossa sociedade. É quando a terra, a comida e os corpos são explorados para manter privilégios. Mas também é campo fértil para a resistência, a organização e a transformação. Em conclusão, lutar contra a fome é lutar por território, por saúde, por dignidade e por um outro modelo de mundo — onde alimentar-se seja direito, não privilégio.
Perguntas e respostas para reflexão crítica
Não. Porque a produção é mais do que suficiente. O problema é quem controla, distribui e lucra com a comida.
Barateiam no curto prazo, mas encarecem a saúde pública e reduzem a qualidade de vida, sobretudo dos mais pobres.
Não todo. Mas o modelo exportador de monoculturas, baseado em veneno, terra concentrada e lucro, está no centro do problema.
Essa é uma das grandes questões. Afinal, muitos apontam que o sistema capitalista, ao tratar comida como mercadoria, é incompatível com o direito à alimentação.
Em parte, sim. Mas colocar o peso apenas sobre o consumo individual esconde os verdadeiros mecanismos de exclusão estrutural.
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