Reforma Agrária: terra, justiça e sustentabilidade no mesmo chão
“Quem semeia terra concentrada, colhe fome espalhada. Mas onde a terra é partilhada, germina justiça, comida e esperança.” — “A reforma agrária no Brasil é o instrumento mais direto e eficaz para corrigir a desigualdade estrutural no campo e garantir o direito à alimentação.” — João Pedro Stédile, economista e dirigente do MST.
O que é reforma agrária?
A reforma agrária é uma política de redistribuição de terras improdutivas ou mal utilizadas, voltada para a justiça social, o combate à desigualdade fundiária e a promoção da agricultura familiar.
Mas ela vai além da entrega de lotes: é um processo estruturante que envolve:
- Regularização fundiária
- Acesso a crédito, assistência técnica e infraestrutura verde
- Educação no campo e proteção ambiental
- Reconhecimento de territórios indígenas, quilombolas e camponeses
O objetivo da reforma agrária não é apenas distribuir terra, mas construir um campo vivo, produtivo, sustentável e justo.
Tipos de Reforma Agrária
Academicamente, é comum a divisão em três categorias principais, que refletem a profundidade da mudança proposta:
1. Reforma Agrária Estrutural (ou Clássica)
- Objetivo principal: Promover uma mudança profunda e radical na estrutura fundiária de um país, desfazendo o monopólio da terra (o latifúndio) e redistribuindo-a efetivamente para os trabalhadores rurais.
- Características: Vai além da simples distribuição de lotes, buscando transformar as relações sociais e econômicas no campo. Inclui apoio técnico, crédito rural e infraestrutura para garantir a sustentabilidade dos novos assentamentos. É vista como uma reforma de base que visa a justiça social.
2. Reforma Agrária Conservadora (ou Contra-Reforma Agrária/Marginal)
- Objetivo principal: Realizar mudanças superficiais que não alteram fundamentalmente a hegemonia do capital e a concentração de terras. É uma estratégia para manter o status quo e a estrutura fundiária dominante.
- Características: Muitas vezes, é implementada como uma forma de aliviar a pressão dos movimentos sociais e da inquietação camponesa. Pode envolver a aquisição de terras menos produtivas ou a concessão de títulos em áreas específicas, mas sem desapropriar grandes latifúndios produtivos, mantendo assim o poder das classes dominantes.
3. Reforma Agrária Popular
- Conceito: É um conceito mais amplo, defendido por movimentos sociais (como o MST no Brasil), que vai além da mera distribuição de terra.
- Objetivo principal: Construir uma nova organização socioeconômica e política no campo, com foco na soberania alimentar, na agroecologia (produção de alimentos saudáveis), e na construção de novas relações humanas, sociais e de gênero.
- Características: Prioriza a produção para o mercado interno e a harmonia com o meio ambiente. Muitas vezes incentiva a coletivização da terra e da produção entre as famílias assentadas.
Outras Formas de Ação na Estrutura Agrária
A reforma agrária também pode ser analisada pelas ações específicas que a compõem. Por exemplo:
- Redistribuição de Terras: A transferência de títulos de terra de grandes proprietários (latifúndios improdutivos, por exemplo) para indivíduos ou grupos de camponeses sem-terra ou com pouca terra.
- Reforma de Propriedade da Terra: Envolve a formalização de sistemas de propriedade, como o registro de títulos e o levantamento de propriedades, visando assim dar segurança jurídica da posse aos beneficiários.
- Melhoria do Padrão de Cultivo: Não se foca na posse, mas sim no aumento da produtividade e na melhoria das condições de vida por meio de avanço tecnológico, crédito rural e assistência técnica.
Por que a reforma agrária é necessária?
O Brasil é um dos países com maior concentração de terra do mundo, enfim, herança direta do colonialismo. De acordo com dados do IBGE (2025) e da Oxfam, temos:
- 1% dos proprietários rurais controlando 49% das terras agricultáveis
- Mais de 1 milhão de famílias acampadas ou sem acesso regular à terra
- A agricultura familiar alimenta mais de 70% da população, mas ocupa apenas 24% das terras
Ou seja, quem alimenta o país tem pouca terra, e quem tem terra produz para exportar ou especular.
Linha do tempo: a luta pela reforma agrária e pela terra no Brasil
Ano | Evento | Relevância |
---|---|---|
1500–1534 | Início da colonização portuguesa | Divisão do território em capitanias hereditárias — nascimento do latifúndio. |
1850 | Lei de Terras | Proíbe o acesso à terra por posse; só é possível comprar — exclui ex-escravizados e camponeses. |
1964–1985 | Ditadura militar | Modernização conservadora: apoio ao agronegócio e repressão à reforma agrária. |
1988 | Constituição Federal | Reconhece a função social da terra — base legal para desapropriações. |
1995–2020 | Avanço do MST | Centenas de assentamentos criados; produção agroecológica e educação no campo. |
2023–2025 | Retomada do debate | Governo reativa políticas agrárias, mas enfrenta resistência no Congresso e aumento da grilagem. |
Situação atual da reforma agrária no Brasil (2025)
A reforma agrária no Brasil, em 2025, vive um momento de retomada parcial, após anos de estagnação. Apesar de avanços pontuais em políticas públicas e demarcações de territórios, os desafios estruturais permanecem intensos e agravados pela grilagem, concentração fundiária e violência no campo.
Avanços recentes
- Reativação do INCRA e de programas federais como, por exemplo, o Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA);
- Criação e regularização de 85 novos assentamentos entre 2023 e 2025, beneficiando assim cerca de 42 mil famílias, segundo dados oficiais do governo federal;
- Prioridade para territórios com produção agroecológica e abastecimento local de alimentos saudáveis;
- Integração com políticas de educação no campo, segurança alimentar e assistência técnica agroecológica.
Desafios da reforma agrária persistentes no Brasil em 2025
- Mais de 1 milhão de famílias seguem acampadas ou em territórios sem regularização definitiva;
- O orçamento do INCRA para 2025 é 42% menor que o necessário para atender à demanda de regularização e infraestrutura dos assentamentos;
- Pressão de bancadas ruralistas e lobby do agronegócio bloqueiam avanços no Congresso;
- Crescimento da grilagem e da especulação imobiliária rural, principalmente na Amazônia Legal;
- Violência agrária crescente: em 2024, o Brasil registrou 38 assassinatos em conflitos por terra, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Tendências atuais
- A reforma agrária está sendo reconfigurada com foco em sustentabilidade, priorizando práticas agroecológicas, geração de renda local e combate à insegurança alimentar;
- Mulheres e juventudes camponesas ganham protagonismo em processos de gestão de territórios e cooperativas;
- Demandas por justiça climática se integram às pautas agrárias, aproximando a reforma agrária das agendas socioambientais globais.
Benefícios da reforma agrária no Brasil e no mundo
1. Combate à fome e à exclusão alimentar
Assentamentos produzem alimentos diversos, saudáveis e locais, fortalecendo a soberania alimentar e reduzindo a dependência de alimentos ultraprocessados.
2. Conservação ambiental
A reforma agrária com base na agroecologia contribui para a preservação da água, do solo e a preservação da biodiversidade — ao contrário do modelo de monocultura e desmatamento.
3. Geração de trabalho e renda
A agricultura familiar movimenta a economia local, fixa a população no campo e reduz o êxodo rural.
4. Justiça social e reparação histórica com reforma agrária no Brasil
Distribuir terra a quem foi historicamente excluído (por exemplo, os indígenas, os quilombolas, os camponeses, os ex-escravizados) é uma forma de corrigir séculos de desigualdade social e racismo estrutural.
5. Promoção da democracia rural
Onde há reforma agrária, há organização comunitária, cooperativismo, educação no campo e participação popular.
Desafios e obstáculos atuais
1. Conflitos fundiários e violência: Segundo a CPT (2024), o Brasil registra mais de 1.300 conflitos por terra por ano, com assassinatos, ameaças e expulsões.
2. Grilagem e especulação imobiliária: Milhões de hectares de terras públicas estão ocupadas ilegalmente por grandes proprietários, com apoio político e jurídico.
3. Desmonte institucional
Órgãos como o INCRA foram enfraquecidos em governos anteriores, dificultando assim a regularização de novos assentamentos.
4. Resistência do agronegócio
Setores do agronegócio e da bancada ruralista pressionam contra a reforma agrária, defendendo, portanto, o direito absoluto à propriedade, mesmo quando improdutiva.
Exemplos reais de sucesso da reforma agrária no Brasil
- Assentamento Contestado (PR): produção agroecológica diversificada, cooperativas e exportação de alimentos orgânicos.
- Escola Nacional Florestan Fernandes (SP): formação política e técnica de camponeses em nível nacional e internacional.
- Assentamentos da Reforma Agrária na Bahia: integração entre educação, saúde, cultura e produção sustentável de alimentos.
- Feiras da Reforma Agrária: mostram a diversidade, qualidade e alcance dos alimentos produzidos nos assentamentos.
Em conclusão
A reforma agrária é mais que distribuição de terra — é justiça social, proteção ambiental e soberania alimentar. Afinal, num país onde poucos têm muito e muitos não têm nada, a democratização do acesso à terra é o caminho mais direto para combater a fome, gerar renda, preservar o meio ambiente e construir uma sociedade mais igualitária.
É tempo de lembrar: onde há terra sem gente, e gente sem terra, há uma urgência ética e ecológica por reparação. Por isso, compartilhe essa postagem e ajude a conscientizar mais pessoas. Seja Eco você também!
Perguntas e respostas para reflexão crítica
Não. Porque a reforma agrária é um processo legal e previsto na Constituição. Portanto, as ocupações organizadas pressionam o Estado a cumprir a lei.
Não necessariamente. Afinal, a agricultura familiar é mais produtiva por hectare e gera mais empregos.
Não. Uma vez que, ela propõe outro modelo, complementar e mais sustentável para o abastecimento interno.
Dados do INCRA e da CPT mostram que assentamentos produtivos geram renda e abastecem mercados locais, principalmente quando há apoio técnico.
Sim. A regularização fundiária, bem como a urbanização de favelas e ocupações também são formas de garantir o direito à terra nas cidades.