Exclusão Alimentar: quando o prato vazio é fruto da desigualdade cheia
“Falta comida onde sobra lucro. Falta acesso onde sobra desperdício. A fome é uma escolha política disfarçada de escassez.” — “A exclusão alimentar não é uma tragédia inevitável, mas o reflexo direto da desigualdade e do descaso com a justiça social.” — Hilal Elver, ex-relatora da ONU para o Direito à Alimentação
O que é exclusão alimentar?
Exclusão alimentar é a negação sistemática e estruturada do direito à alimentação adequada e saudável, principalmente para populações vulneráveis. Ela não se limita à fome visível — inclui também:
- Falta de acesso regular a alimentos nutritivos
- Dependência de alimentos ultraprocessados e baratos
- Ausência de autonomia sobre o modo de produzir, escolher e consumir alimentos
- Invisibilização de práticas alimentares tradicionais e sustentáveis
Diferente da “insegurança alimentar” medida apenas por falta de comida, a exclusão alimentar é política, econômica, territorial e cultural.
Quem sofre com a exclusão alimentar no Brasil?
Segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar da Rede PENSSAN (2024):
- Mais de 33 milhões de pessoas estão em situação de fome grave
- 70 milhões convivem com algum grau de insegurança alimentar
- Além disso, a fome afeta principalmente mulheres, famílias negras, periféricas, indígenas e rurais
- 60% das famílias chefiadas por mulheres negras relatam dificuldades para alimentar seus filhos com regularidade
- Em comunidades tradicionais, a perda de território é diretamente associada à ruptura da soberania alimentar
A exclusão alimentar, portanto, é racializada, territorializada e estruturada por desigualdades históricas.
Principais causas da exclusão alimentar
1. Concentração de renda e terra
A maior parte da terra e dos subsídios públicos vai para o agronegócio exportador, enquanto a agricultura familiar, que alimenta o país, sofre com escassez de apoio.
Concentração de Renda no Brasil – Raízes e Consequências
2. Desigualdade social
Famílias pobres gastam até 70% da renda com alimentação, mas são forçadas a consumir produtos baratos, ultraprocessados e nutricionalmente pobres, evidenciando assim a desigualdade social.
3. Racismo e colonialismo alimentar
A imposição de um modelo alimentar padronizado invisibiliza as práticas culturais dos povos indígenas, negros e comunidades tradicionais, desvalorizando assim sua soberania sobre o alimento.
4. Falta de políticas públicas efetivas
O desmonte de programas como o PNAE (alimentação escolar), PAA (aquisição de alimentos da agricultura familiar), assim como dos conselhos de segurança alimentar enfraqueceu a rede de proteção alimentar.
5. Urbanização desigual
Nas grandes cidades, áreas periféricas não têm acesso fácil a alimentos frescos e sofrem com a ausência de feiras, hortas, mercados populares e políticas de abastecimento.
Relação entre exclusão alimentar e sustentabilidade
A exclusão alimentar também impacta diretamente o meio ambiente. Isso porque:
- Alimentos ultraprocessados exigem cadeias industriais poluentes e insustentáveis.
- O avanço do agronegócio monocultor e exportador leva à destruição de biomas, bem como à expulsão de comunidades que produzem de forma ecológica.
- A dependência de insumos químicos e combustíveis fósseis aumenta a vulnerabilidade climática dos sistemas alimentares.
- O desperdício de alimentos, somado à exclusão alimentar, revela uma contradição ética e ambiental profunda.
Portanto, não existe justiça climática sem justiça alimentar.
Soluções sustentáveis para combater a exclusão alimentar
1. Reforço das políticas públicas de segurança e soberania alimentar
- Reativar e ampliar programas como PAA, PNAE e cozinhas comunitárias públicas.
- Criar redes de abastecimento popular com alimentos agroecológicos e preços justos.
2. Fortalecimento da agricultura familiar e camponesa
- Garantir acesso à terra, crédito, assistência técnica e infraestrutura para quem alimenta o Brasil com práticas sustentáveis.
3. Incentivo à agroecologia e aos circuitos curtos
- Apoiar feiras agroecológicas, hortas urbanas, redes de troca e compras coletivas.
- Reduzir a dependência de cadeias alimentares longas, caras e poluentes.
4. Educação alimentar crítica e inclusiva
- Incentivar escolas, universidades e movimentos sociais a ensinar o valor da diversidade alimentar, do alimento de verdade e da justiça social.
5. Descolonização dos sistemas alimentares
- Reconhecer, valorizar e apoiar as práticas alimentares de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e outros grupos excluídos.
- Incluir suas vozes na formulação de políticas públicas.
Exemplos que inspiram
- Cozinhas solidárias do MST: combinam produção camponesa agroecológica com distribuição gratuita de refeições em áreas urbanas vulneráveis.
- Redes agroecológicas urbanas (como, por exemplo, a RAU e o Favela Orgânica): oferecem alimentos acessíveis, educação alimentar e autonomia para comunidades periféricas.
- Escolas que compram diretamente da agricultura familiar: fortalecem a economia local, assim como oferecem alimentação saudável para milhões de crianças.
- Bancos de sementes crioulas: garantem autonomia produtiva e cultural às comunidades camponesas e indígenas.
Em resumo
A exclusão alimentar é o retrato mais cruel da desigualdade social e ambiental brasileira. Ela mostra que o problema da fome não é a falta de alimentos, mas a lógica que organiza o sistema alimentar: quem planta não come, quem come não escolhe, quem decide não sente fome.
Superar a exclusão alimentar exige mais do que caridade — exige políticas públicas consistentes, apoio à agroecologia, valorização dos saberes populares e justiça estrutural. Porque comer deve ser um direito, não um privilégio.
Perguntas e respostas para reflexão crítica
Principalmente pessoas de classe média e alta. Por outro lado, nas periferias, o acesso é limitado pela renda e pela logística.
Não. Porque o Brasil produz alimento suficiente. Então, a exclusão alimentar vem da desigualdade na distribuição e no acesso.
Depende. O agronegócio focado em exportação não abastece a mesa da população pobre, mas gera concentração de terra e renda.
Parcialmente. Mas essa escolha só é possível quando há renda, acesso e políticas públicas. Afinal, sem isso, a liberdade de escolha é ilusória.
Sim, desde que seja aliada a políticas públicas estruturantes, justiça social e valorização da produção local e sustentável.
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