Desigualdade no acesso à terra: a raiz invisível de muitas injustiças
“Não é só a terra que está cercada — é a dignidade que está em disputa.” — “Sem democratizar o acesso à terra, não há democracia real – principalmente considerando a desigualdade no acesso à terra. A justiça começa onde o chão é de todos.” — João Pedro Stédile, economista e membro da coordenação nacional do MST.
O que é desigualdade no acesso à terra?
A desigualdade no acesso à terra refere-se à distribuição extremamente concentrada da posse e uso das terras, tanto rurais quanto urbanas, que privilegia grandes proprietários em detrimento de pequenos agricultores, povos originários, quilombolas e comunidades tradicionais.
No Brasil, essa realidade tem raízes históricas e coloniais. Desde a implantação do sistema de capitanias hereditárias e sesmarias, passando pela escravidão e pela grilagem contemporânea, a terra tem sido usada como instrumento de poder, exclusão e especulação imobiliária — e não como um direito.
O tamanho do problema: concentração fundiária no Brasil
De acordo com os dados mais recentes do Pré-Censo Agropecuário (IBGE, 2025) e relatórios da Oxfam e da CPT (Comissão Pastoral da Terra):
De acordo com a Oxfam (2024), o Brasil continua entre os 10 países com maior desigualdade no acesso à terra no mundo, e apresenta um dos índices mais altos da América Latina em termos de concentração fundiária.
1% dos proprietários rurais ainda concentra cerca de 46% de toda a terra agricultável no Brasil, o que revela uma pequena redução estatística, mas sem impacto estrutural na concentração fundiária;
A agricultura familiar representa 77% dos estabelecimentos rurais, porém continua ocupando apenas 23% da área total. Apesar disso, é responsável por mais de 70% dos alimentos consumidos internamente;
A grilagem de terras públicas cresceu 21% nos últimos quatro anos, com forte avanço sobre áreas protegidas da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal, alimentando cadeias ilegais e desmatamento, mineração e especulação imobiliária;
Estima-se que mais de 950 mil famílias vivem em acampamentos ou sem acesso regularizado à terra, aguardando ações de reforma agrária, demarcação ou reconhecimento territorial;
Causas da desigualdade no acesso à terra
- Herdeiras do colonialismo: as sesmarias distribuíam imensas áreas a poucos indivíduos ligados à coroa portuguesa;
- Ausência de reforma agrária efetiva: apesar de prevista na Constituição, a democratização fundiária nunca foi prioridade política real;
- Grilagem e especulação imobiliária: falsificação de documentos e invasão de terras públicas são comuns em áreas de fronteira agrícola;
- Violência no campo: quem reivindica terra enfrenta ameaças, despejos e, muitas vezes, assassinatos;
- Poder político dos grandes proprietários: o agronegócio concentra influência no Congresso e nos governos estaduais.
Consequências socioambientais da concentração de terra
A desigualdade fundiária gera uma série de impactos interligados:
- Fome e insegurança alimentar, já que famílias sem terra não conseguem produzir o que consomem;
- Êxodo rural e urbanização precária, com expansão de favelas e periferias;
- Desmatamento e degradação ambiental, com o avanço do agronegócio e da mineração sobre terras indígenas e áreas protegidas;
- Violência no campo, com recordes de conflitos fundiários (CPT, 2024);
- Perda de modos de vida tradicionais e enfraquecimento da cultura agroecológica e indígena.
Ou seja, a desigualdade na terra não afeta apenas o campo, mas toda a sociedade e os ecossistemas.
Por que a desigualdade no acesso à terra é um obstáculo à sustentabilidade?
Porque sustentabilidade exige justiça social. Sem acesso à terra, populações tradicionais e pequenos produtores não conseguem praticar a agricultura familiar, a agroecologia, a produção de alimentos saudáveis e a preservação ambiental.
Além disso, grandes propriedades muitas vezes:
- Desmatam mais;
- Utilizam grandes quantidades de agrotóxicos;
- Estimulam monoculturas de exportação, como, por exemplo, soja e gado;
- Geram pouca distribuição de renda e poucos empregos.
Em contrapartida, dados do IBGE mostram que a agricultura familiar responde por mais de 70% dos alimentos consumidos no país, mesmo com pouca terra.
Portanto, promover uma distribuição mais justa é essencial para mitigar as crises climáticas, alimentar e hídrica.
Reforma agrária: solução adiada para a desigualdade no acesso à terra
A reforma agrária é o processo de redistribuição de terras improdutivas ou irregulares para famílias agricultoras sem-terra, com suporte técnico, financeiro e jurídico. No entanto:
- Nos últimos anos, o número de assentamentos diminuiu drasticamente;
- Muitos assentamentos existentes não recebem infraestrutura básica (água, energia, crédito, escola);
- O desmonte de políticas públicas rurais fragilizou a permanência das famílias no campo.
Sem reforma agrária efetiva, milhões continuam sendo expulsos do campo ou submetidos a trabalho precário e inseguro.
Territórios tradicionais: o direito ancestral à terra
Além dos sem-terra, diversos povos lutam pela demarcação e regularização de seus territórios, como, por exemplo:
- Povos indígenas;
- Comunidades quilombolas;
- Povos e comunidades tradicionais (ribeirinhos, extrativistas, faxinalenses, entre outros).
Esses territórios são fundamentais para a preservação da biodiversidade e da diversidade cultural. Estudos mostram que terras indígenas, por exemplo, possuem os menores índices de desmatamento da Amazônia.
Por isso, respeitar esses direitos e diminuir a desigualdade no acesso à terra é uma ação de justiça histórica e de conservação ambiental.
Dados atualizados sobre a desigualdade de acesso à terra no Brasil (2025)
Indicador | Valor |
---|---|
Propriedades com mais de 1.000 ha | 0,91% dos imóveis |
Área que ocupam | 45% do total rural |
Famílias sem-terra ou em acampamentos | ~900 mil |
Terras indígenas demarcadas | 14% do território nacional |
Crescimento da grilagem na Amazônia | +20% nos últimos 3 anos |
Assentamentos com infraestrutura mínima | Apenas 28% |
Perguntas e respostas para reflexão crítica
Sim. A concentração da terra persiste e compromete a produção de alimentos, a justiça social e o meio ambiente.
Em parte, sim. Ele se expandiu sobre terras públicas e pressionou comunidades tradicionais, embora não seja o único fator.
Sim, conforme a Constituição, terras que não cumprem a função social devem ser destinadas à reforma agrária.
Sim. Já é responsável por mais de 70% dos alimentos consumidos internamente, segundo o IBGE.
Apoiar feiras agroecológicas, exigir rastreabilidade e consumir alimentos da agricultura familiar fortalece a luta por terra e território.