Concentração de Terra: a raiz profunda da injustiça ambiental e social no Brasil
“Quem tem a terra, tem o poder. Quem é dela expulso, perde o direito à comida, ao território e ao futuro.” — “A concentração de terra e a desigualdade no acesso à terra são uma violação dosdireitos humanos. Elas comprometem a democracia, a alimentação e o equilíbrio climático.” — Michael Fakhri, relator da ONU para o Direito à Alimentação.
O que é concentração de terra e por que ela persiste?
A concentração de terra no Brasil é uma das maiores do mundo. Ela ocorre quando grandes extensões territoriais estão nas mãos de poucos proprietários, enquanto milhões de pessoas não têm acesso à terra para viver ou produzir.
Esse modelo foi herdado do sistema colonial de sesmarias, mantido pela elite rural e reforçado por políticas públicas que priorizam o agronegócio exportador. Então, mesmo com a Constituição de 1988, garantindo a função social da terra, a distribuição fundiária no país segue marcada pela desigualdade, pelo racismo e, principalmente, pela impunidade.
Linha do tempo: A origem da concentração de terra no Brasil
Período | Evento histórico | Impactos e consequências |
---|---|---|
1500–1530 | Início da colonização portuguesa | Ignora a existência e os direitos dos povos originários sobre seus territórios. |
1534 | Implantação das Capitanias Hereditárias | Divide o Brasil em grandes lotes de terra entregues a nobres portugueses — nascimento do latifúndio. |
Século XVII–XIX | Monocultura escravista (açúcar, café, algodão) | Consolidação de grandes propriedades voltadas à exportação, com trabalho escravo e exclusão estrutural. |
1888 | Abolição da escravidão sem reforma agrária | Ex-escravizados são libertos sem acesso à terra ou políticas de inclusão — perpetuação do racismo agrário. |
1889–1930 | Primeira República e poder das oligarquias rurais | As elites agrárias dominam a política nacional e, portanto, bloqueiam qualquer tentativa de redistribuição da terra. |
1930–1960 | Industrialização e êxodo rural crescente | Pequenos produtores e camponeses perdem espaço; aumentam as desigualdades e a concentração fundiária. |
1964–1985 | Ditadura militar e “modernização conservadora” do campo | Incentivos à mecanização e crédito para grandes produtores; violência contra camponeses e indígenas. |
1988 | Constituição Federal: função social da terra | Reconhece que a terra deve cumprir papel social, mas implementação prática é lenta e incompleta. |
1990–2020 | Avanço do agronegócio e da grilagem | A terra vira ativo financeiro; cresce a especulação, o desmatamento, assim como os conflitos fundiários. |
2021–2025 | Reação popular, luta por território e reconhecimento de direitos | Aumento da organização social (MST, APIB, quilombolas); crescem propostas de reforma agrária ecológica e demarcação de territórios tradicionais. |
Dados atualizados (2025): concentração extrema de terra e exclusão real
Com base em levantamentos cruzados entre IBGE (Censo Agropecuário), Oxfam Brasil, Terra de Direitos e a CPT (2024–2025):
- 1% dos proprietários rurais controla 48,9% de todas as terras produtivas.
- Agricultura familiar representa 77% dos estabelecimentos rurais, mas detém apenas 23% da área total.
- 1 milhão de famílias camponesas vivem em acampamentos, bem como os territórios não regularizados.
- Mais de 35 milhões de hectares de terras públicas já foram grilados — principalmente na Amazônia Legal e no Cerrado Matopiba.
- Crescimento de 40% nos conflitos agrários em 2 anos, de acordo com a CPT (2025).
📌 Índice Gini da Terra (2024): 0,86 — considerado extremamente desigual (em uma escala de 0 a 1).
Causas estruturais da concentração de terra
1. Colonialismo fundiário
A lógica de concentração foi imposta pela coroa portuguesa, reforçada por capitanias hereditárias e, principalmente, persistente até hoje em forma de latifúndios improdutivos.
2. Grilagem e especulação territorial
A falsificação de documentos e invasão de terras públicas seguem sendo práticas sistemáticas e impunes, que favorecem elites políticas e econômicas.
3. Ausência de reforma agrária estruturante
Os processos de reforma agrária no Brasil foram pontuais, fragmentados, bem como insuficientes — com forte resistência das bancadas ruralistas no Congresso.
4. Racismo agrário para a concentração de terras
Povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais são sistematicamente excluídos dos processos legais de acesso à terra, sofrendo assim com demora na titulação e violência institucional.
5. Apoio estatal ao agronegócio
O crédito rural, os subsídios e as políticas de exportação favorecem grandes propriedades e monoculturas voltadas ao lucro, não à produção de alimentos.
Impactos sociais, ambientais e alimentares da concentração de terra
1- Aumento da fome e insegurança alimentar
O modelo de latifúndio produz commodities (como, por exemplo a soja, a cana, o milho, a carne) para exportação, não comida para o povo. O Brasil é exportador de grãos e importador de justiça alimentar.
2- Violência no campo
Só em 2024, mais de 80 assassinatos em conflitos agrários foram registrados. O Brasil lidera rankings globais de violência rural (Global Witness, 2025).
3- Desmatamento e crise climática
A expansão de pastagens e monoculturas avança sobre a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal, responsável por 62% do desmatamento legal e ilegal registrado em 2024.
4- Êxodo rural e urbanização precária
Sem terra ou condições para produzir, milhões migram para centros urbanos — inchando favelas, aumentando a miséria urbana e a dependência alimentar.
5- Perda de biodiversidade e culturas alimentares
A monocultura e o uso de agrotóxicos substituem ecossistemas diversos por paisagens agrícolas estéreis, ameaçando sementes crioulas e saberes ancestrais.
Caminhos para enfrentar a concentração de terra
1. Reforma agrária popular e ecológica
Com foco em agroecologia, segurança alimentar, acesso à terra e fortalecimento da agricultura camponesa. Não basta distribuir terra: é preciso apoiar quem nela vive e cultiva.
2. Demarcação de territórios indígenas e quilombolas
De fato, sem titulação e proteção, esses territórios seguem ameaçados por grileiros, fazendeiros e garimpeiros ilegais.
3. Tributar grandes propriedades improdutivas
Criar um Imposto Territorial Rural (ITR) progressivo, com base no tamanho, produtividade real e impacto ambiental.
4. Combater a grilagem com tecnologia e transparência
- Mapas públicos via satélite
- Acesso a dados de cartórios
- Monitoramento cidadão dos conflitos
5. Fortalecer políticas públicas para a agricultura familiar
- Compras públicas (PAA, PNAE)
- Assistência técnica agroecológica
- Infraestrutura de armazenagem, bem como transporte sustentável
Iniciativas e experiências inspiradoras
- Assentamento Normandia (PE) – modelo de agroecologia, cooperativismo e soberania alimentar
- Feiras da Reforma Agrária (MST) – alimentos saudáveis, sem veneno e com preço justo
- Territórios Quilombolas produtivos (BA, MA) – integração entre produção, identidade e conservação ambiental.
- Plataforma “De Olho nos Ruralistas” – monitoramento independente da concentração de terra e poder político
Em conclusão
A concentração de terra é o espelho da desigualdade brasileira. Mais do que um problema agrário, ela representa uma ameaça à soberania alimentar, ao meio ambiente e, principalmente, à justiça social.
Em conclusão, mudar esse cenário requer reforma agrária estrutural, reconhecimento de territórios tradicionais, democratização do crédito e uma ruptura com o modelo de monocultura voltado à exportação.
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Perguntas e respostas para reflexão crítica
Não. Porque a agricultura familiar é mais produtiva por hectare e mais eficiente na produção de alimentos saudáveis.
Ao contrário. Afinal, é uma proposta atual e urgente diante da crise alimentar, climática e de desigualdade social.
Não necessariamente. Uma vez que a eficiência deve considerar produtividade social, ecológica e alimentar — e não apenas lucro.
Infelizmente, tornou-se prática recorrente, principalmente na Amazônia. Afinal, mais de 30% das terras públicas invadidas têm registros falsos.
Não. Ao contrário, aumenta o dinamismo local, a segurança alimentar, assim como reduz custos sociais com pobreza e favelização.