Na transição entre a vibrante Região Metropolitana de Belo Horizonte e as encostas históricas da Serra da Moeda, encontra-se uma área de proteção integral de papel vital, embora muitas vezes pouco conhecida: a Estação Ecológica de Fechos (EEF). Criada oficialmente pelo Decreto Estadual nº 36.073, em 27 de setembro de 1994, a unidade abrange 602,95 hectares no município de Nova Lima. Trata-se de um território estratégico, não apenas pela biodiversidade que abriga, mas também por proteger nascentes e cursos d’água essenciais ao abastecimento da capital mineira e regiões vizinhas.
Localizada ao sul da Cadeia do Espinhaço, dentro do importante Quadrilátero Ferrífero, a EEF serve de refúgio para ecossistemas associados ao domínio da Mata Atlântica. Entre eles, destacam-se trechos de Floresta Estacional Semidecidual e campos ferruginosos de altitude. Diferente de parques voltados ao ecoturismo, sua missão principal é a preservação integral da natureza e o incentivo à pesquisa científica. A água e a vida selvagem são os verdadeiros protagonistas dessa unidade de conservação.
Um Oásis Hídrico Sob Pressão Urbana e Minerária
A importância da Estação Ecológica de Fechos vai além de seus limites geográficos. Ela protege a bacia do Córrego dos Fechos, um manancial de águas puras classificadas como de Classe Especial pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM). Essas águas são captadas pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (COPASA) para abastecer parte relevante de Belo Horizonte e Nova Lima. O córrego alimenta o Ribeirão Macacos, que deságua no Rio das Velhas, afluente essencial para a Bacia do Rio São Francisco.
Apesar de sua função vital, a estação enfrenta pressões intensas. Ela está situada numa área de forte expansão urbana, próxima ao bairro Jardim Canadá, e cercada por atividades de mineração antigas e atuais. A rodovia BR-040, que passa ao lado da unidade, agrava esses desafios. Assim, a EEF tornou-se uma ilha de preservação em meio ao crescimento urbano e à exploração de recursos. A gestão é compartilhada entre o Instituto Estadual de Florestas (IEF) e a COPASA, que buscam equilibrar a proteção rigorosa da estação com os impactos do entorno imediato.
Biodiversidade Singular em Território Estratégico
Apesar da área relativamente modesta e das pressões externas, a Estação Ecológica de Fechos abriga uma notável diversidade biológica. Sua localização na Serra da Moeda, conhecida por seus solos ricos em ferro e endemismos, favorece a ocorrência de espécies únicas. A vegetação varia desde matas ciliares e florestas semideciduais até campos de altitude e afloramentos rochosos ferruginosos (cangas).
Estudos realizados na Estação Ecológica de Fechos identificaram espécies raras e ameaçadas da flora. Entre elas estão as samambaias arbóreas dos gêneros Cyathea e Dicksonia sellowiana, o cacto Arthrocereus glaziovii e a flor Sinningia rupicola. No grupo da fauna, a perereca Phyllomedusa jandaia chama atenção. Essa espécie é endêmica da Serra do Espinhaço e encontra abrigo nas áreas úmidas próximas às barragens da estação. Embora a tentativa de reintrodução do macuco (Tinamus solitarius) não tenha tido sucesso, outras aves, mamíferos e répteis adaptados ao ecossistema local seguem presentes. Essa diversidade reafirma o valor ecológico da unidade para a conservação da biodiversidade regional.
Desafios Constantes e a Luta pela Preservação
A condição de ilha” de preservação impõe desafios significativos à gestão da Estação Ecológica de Fechos. A proximidade com áreas urbanas e a BR-040 facilita o acesso não autorizado, resultando em problemas como:
- Trânsito irregular: Veículos off-road (motos, jipes) frequentemente invadem a área, abrindo trilhas, compactando o solo e perturbando a fauna.
- Descarte de lixo e entulho: As margens da unidade, especialmente próximas à rodovia, sofrem com o descarte ilegal de resíduos, aumentando o risco de contaminação e incêndios.
- Incêndios florestais: A vegetação seca, especialmente nos campos de altitude, combinada com a presença humana desordenada, torna a EEF vulnerável a incêndios, que podem devastar habitats e comprometer a qualidade da água.
- Espécies invasoras: Cães domésticos provenientes do bairro Jardim Canadá e outras espécies exóticas representam uma ameaça à fauna nativa, seja por predação, competição ou transmissão de doenças.
- Pressão por recursos: Embora menos documentada, a extração ilegal de plantas ornamentais ou medicinais e a caça podem ocorrer devido à facilidade de acesso em alguns pontos.
- Impactos da mineração e urbanização: A zona de amortecimento da Estação Ecológica de Fechos deveria funcionar como um escudo protetor para os ecossistemas internos. No entanto, abriga atividades de mineração e áreas em expansão urbana. Essa ocupação gera um conflito direto com os princípios da proteção integral. Como resultado, aumentam os impactos ambientais, como a dispersão de poeira, os níveis elevados de ruído e as mudanças no fluxo hídrico subterrâneo, que ameaçam o equilíbrio da unidade.
Gestão Compartilhada e a Busca por Soluções
A gestão conjunta entre IEF e COPASA, embora essencial pela natureza hídrica da unidade, também apresenta complexidades. A COPASA foca na manutenção da qualidade e quantidade da água para abastecimento, enquanto o IEF tem a responsabilidade mais ampla pela conservação da biodiversidade e do ecossistema como um todo. A harmonização dessas visões e a implementação de ações eficazes de fiscalização e manejo são cruciais.
O Plano de Manejo da unidade, embora existente, enfrenta dificuldades de implementação devido às pressões do entorno e à complexidade da gestão compartilhada. A definição e o manejo da zona de amortecimento, incluindo áreas com usos conflitantes como mineração, são pontos críticos que exigem constante negociação e monitoramento.
Iniciativas como o projeto “Fechos, Eu Cuido!”, promovido pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, buscaram mobilizar a sociedade civil, o poder público e empresas para discutir e propor soluções para os desafios da EFF, evidenciando a necessidade de uma abordagem integrada e participativa.
Recentemente, houve tentativas de ampliar a área da estação ecológica para reforçar a proteção da bacia, mas propostas legislativas enfrentaram vetos, demonstrando a contínua tensão entre conservação e outros interesses na região.
Um Legado Hídrico e Científico para o Futuro
Apesar das restrições à visitação pública, a Estação Ecológica de Fechos possui um enorme potencial científico. A casa de apoio existente poderia abrigar pesquisadores interessados em estudar a ecologia de ambientes de transição, a hidrologia de bacias preservadas em contexto periurbano, ou a biologia de espécies endêmicas e ameaçadas. O monitoramento contínuo da qualidade da água e da biodiversidade é fundamental não apenas para a gestão da unidade, mas também para subsidiar políticas públicas de conservação e saneamento em escala mais ampla.
Apesar de não ser voltada ao lazer, a Estação Ecológica de Fechos exerce um papel social essencial. Ela garante, de forma direta, o abastecimento de água para centenas de milhares de pessoas, prestando um serviço ecossistêmico de valor inestimável. Além disso, sua preservação contribui para regular o clima local, conservar a biodiversidade regional e proteger um patrimônio natural singular da Serra do Espinhaço.
Conclusão: A Resiliência de um Santuário Estratégico
A Estação Ecológica de Fechos é mais do que uma simples unidade de conservação; é uma fortaleza hídrica e um bastião de biodiversidade encravado em uma das áreas mais dinâmicas e pressionadas de Minas Gerais. Sua existência é um testemunho da visão de futuro que reconheceu a necessidade de proteger as fontes de água, mas sua sobrevivência a longo prazo depende de um esforço contínuo e colaborativo.
Enfrentando ameaças constantes da urbanização, mineração e acesso descontrolado, a EEF exige vigilância permanente, gestão adaptativa e, sobretudo, o reconhecimento por parte da sociedade e do poder público de seu valor estratégico insubstituível. Preservar Fechos não é apenas proteger um pedaço de Mata Atlântica e Cerrado, mas garantir a segurança hídrica, salvaguardar um patrimônio genético singular e manter um laboratório natural essencial para compreendermos e enfrentarmos os desafios ambientais do século XXI.
Resumo com perguntas frequentes
A Estação Ecológica de Fechos foi criada em 27 de setembro de 1994, por meio do Decreto Estadual nº 36.073.
A estação possui oficialmente 602,95 hectares.
Está situada no município de Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais.
O principal objetivo é preservar os ecossistemas naturais e proteger os mananciais que abastecem parte da capital mineira, promovendo também a pesquisa científica.
Você pode apoiar projetos de conservação, denunciar atividades ilegais na área e valorizar o uso consciente da água, principal recurso protegido pela unidade.
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